Considerações sobre os Açores I

Encontro-me a bordo do SATA A320-200 CS-TKJ no lugar 3A (sim, executiva) a fazer PDL-FNC. Passei esta semana nos Açores, tendo feito o percurso São Miguel-Faial-Flores-Terceira-São Miguel.

Começando pelo turismo, não há sítio onde não se vejam um casal de turistas franceses, espanhois ou ingleses. Mas, não passam de grupos de 2 ou 3. É raro ver grandes grupos em autocarros, como na Madeira. Os preços não são baratos mas falta alguma exploração de bugigangas e serviços do género tirar fotos de turistas á chegada e vender a revelação por 10 euros com um ramo de flores. O turismo é caro, a julgar pelo preço das viagens de avião da SATA regional, mas consegue-se facilmente chegar a todo o lado se o tempo permitir.
A rede de voos está bem estruturada e os horários são cumpridos com rigor. Fruto da repetitividade, a eficiência é grande, associada a boas infraestruturas aeroportuárias mesmo nos aeroportos mais pequenos. Os Açores sofrem um pouco de monotonia paisagistica. São verdes, com lagoas (flores e São Miguel) e com hortênsias azuis por todo o lado. Não existe grande factor de diferenciação, e mesmo o estilo das casas (brancas com magnificas cantarias em basalto ou soleiras das portas pintadas com cores vivas á moda do alentejo) não muda. Em São Miguel é particularmente grave o assunto, fui ao Nordeste e levei 2h de carro para fazer os 60km de Ponta Delgada.
A paisagem, apesar de excelente, é sempre igual e há poucas povoações ou infraestruturas turísticas até lá. No Nordeste, no fundo de uma ribeira, recuperaram-se umas azenhas num género de parque. Claro que estava repleto de turistas prontos a sorrir enquanto eram expoliados no café de lá. De construção recente este sítio faz com que os turistas se sintam motivados a deslocarem-se para fora de Ponta Delgada. As estradas estão asfaltadas mas a via rápida liga apenas Ponta Delgada , Lagoa e Ribeira Grande. Quanto mais longe forem, mais dias ficam, mais $ em hotel e afins deixam na terra. Falta o espicaçar do turista com pormenores armadilha como o nosso teleférico e carrinhos de cesto. Nas lagoas, que eu saiba, nem um passeio de barco. O cozido das furnas é um oásis do que deveriam aproveitar mais.
Depois há muito turista inutil, como os dos iates. Não gastam muito mais que a gasolina do barco (na Horta há várias bombas de gasolina como as dos automóveis no cais), porque dormem a bordo e muitas vezes compram apenas no super. As taxas de marina cobradas são em geral insuficientes para obter rentabilidade. São baixas, em relação á Madeira, e incluem electricidade, segurança, seguro e outros serviços que se traduzem em custos para os Portos. O Porto de Angra tem prejuizo com as Marinas. Da Horta (15 000 habitantes) há 5 voos semanais para Lisboa, com TAP e SATA. Em parte, muitos deixam o iate ancorado quase á borla, e apanham o avião para ir passear pela Europa fora. Mais grave, muitos deixam o iate o inverno todo, e desaparecem rumo inclusive á Europa de Leste. A 5 euros por dia (valor realista) três meses custam cem contos.
Os hoteis são, regra geral, fracos. Os do grupo Bensaúde e o Holiday Inn (em PDL) são a excepção á regra. Os outros têm um aspecto limpo, mas antiquado e familiar. Nas Flores fiquei no Servi Hotel, pertença ao nosso Ministério da Defesa, e que era usado como quartel pelos franceses quando a Armée de l'Air andou lá desde 73 a 92. Excusado será dizer que mais parece um quartel do que estabelecimento de hotelaria.

No campo Político há três períodos a salientar. O pré revolução onde a Junta Geral estava em Angra, centralizando geograficamente o poder administrativo. Com a revolução, puxou-se o tapete ao poder do grupo central, passando a haver três distritos:
- Flores, Corvo (grupo Ocidental), Faial e São Jorge (grupo Central)
- Terceira e Graciosa (gr. Central)
- São Miguel e Santa Maria (gr. Oriental)

É fácil ver que o grupo central foi dividido e que o poder passou para São Miguel, onde ficou sediado, deixando-se o Ministro da Republica para trás em Angra. Isto ainda hoje é motivo de grande ferida no orgulho nos Terceirenses, alimentando uma rivalidade ainda maior que o típico entre povos de ilhas diferentes. Os micaelenses consideram os terceirenses preguiçosos e acham que estes passam mais tempo em festa do que a trabalhar. Os terceirenses consideram-nos tacanhos e gozam do "japonês" (a pronuncia afrancesada e exclusiva dos micaelenes). Não existe uma cultura de açoriano, cada habitante é da sua Ilha. Orgulho pelos Açores em conjunto é inexistente. Prova disso é o desprezo da população não-micaelense pela Kima e Especial locais.

O segundo perído é a primeira dinastia do RAA, protagonizada por Mota Amaral, que esteve 20 anos no poder. É micaelense mas esteve muitos anos em Lisboa onde pertenceu ao governo de Salazar. É um diplomata nato, mas não um governante com a força necessária para defender um território tão complexo como os Açores. Os fundos da CEE passaram ao lado dos Açores e é talvez tarde demais para apanhar o comboio que a MAdeira apanhou. A agropecuária foi muito desenvolvida pelo Mota Amaral e o leite é produzido a 500 000 litros ao dia, cada uma das 25 000 vaca a contribuir com 20. Contas por alto, será uma fatia de cerca de 15% da produção nacional de leite.

Muito giro é apenas o AJJ a ser criticado pelos anos consecutivos no poder. A quem agrada ao governo central, mesmo em detrimento da sua terra, já não é "ditador".

Em 1998, sai M. Amaral e o seu governo PSD, e entra o micaelense Carlos Cesar do PS. A partir daí começa-se a mudar o plano, e nasce a SATA internacional, os hoteis começam a brotar, e as vias de comunicação em renovação.

Na Terceira persiste a base áerea, enorme. Num dia vi lá 3 KC-135, 1 747, um C-17, 1 DC-9, 2 F-16 e um KC-10 da USAF. Trabalharam, no auge, 3000 portugueses na base, creio não haver dúvida do valor desta para o povo local. Imaginemos nos anos 70 o poder de compra entre o soldado US e o açoriano da Terceira. Nas ruas muitos carros com matrículas a dizer "US Forces". O intrigante é que são carros civis, como Corvettes e carrinhas. Será isto sequer legal, aos olhos da DGV?

Comments

AÇORES said…
Admito muitas verdades......e uma imperdoável: esqueceu-se do PICO.

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