Como estragar uma festa e uma reconciliação entre povos

Em Outubro de 2001, sendo eu sócio do SCP, eis que apanho a oportunidade de ver a nossa seleção jogar em casa com Angola. Faltava um mês para ir para o estrangeiro por um largo periodo dai que reunimo-nos três amigos, eu o Crinas e o Condenado, e fomos lá ver o desafio. Três anos antes tinha Portugal jogado com Moçambique em solo Africano, onde o Madeirense Eusébio se estreou pelas quinas e foi tudo futebol e amigos.

A seleção angolana é referida como "Os Palancas", a fazer juz ao símbolo nacional que é a Palanca (algo parecido com um antílope). A seleção de esperanças, por analogia é conhecida pelos "Palanquinhas". As aeronaves dos TAAG (Transportes Aéreos de Angola) envergam pintada na cauda uma imagem deste magnífico animal.

Mal entro no estádio, vejo que Angola jogava em casa, 80% dos apoiantes presentes era deles. Muitos tinham uma t-shirt com a cara dum líder politico qualquer de lá (em eleições em Angola, apesar de ter sido antes do Jonas Savimbi ter sido assassinado). Ficamos os 3 rodeados de angolanos que até nem me parecia estar no lugar onde costumava ver o meu clube jogar.
Fazem-se as apresentações e na altura do hino luso, eis que os angolanos cantam uma versão perjorativa em uníssono. Que volta ao estômago, estando-se em solo portugês, tendo a FPF providenciado o convite á federação angolana aliado a boas condições de estágio.

Para mais muitos jogadores angolanos actuavam na 1º Liga Portuguesa casos de, Mendonça (Varzim), Mantorras (Benfica), Lito Vidigal Franklim e Wilson (Belém), Marco Freitas e outros mais. O Pedro Emanuel que anos depois marcaria o penalty decisivo na Taça Intercontinental pelo FCP, foi convocado. Que falta de de respeito, até parecia que a guerra colonial ainda estava de pé.

Mal começa o jogo e parecia que estavamos dentro de uma jaula no Zoo. Sempre que Angola atacava pelo pé de Mantorras, ie, quando o rapaz pegava na bola era um orgasmo colectivo mesmo que desse apenas um passe lateral de 2 metros a meio campo. Levantava-se o publico todo, menos nós e três e mais meia dúzia, e era só "quis passi bunitos dois Mantorra, Ki bunitooooo" no meio de uma agitação monumental.

Aos três minutos de jogo Angola inaugura o marcador por intermédio de Mendonça. Foi um dos momentos mais baixos da minha vida, fiquei a fixar o chão com a cabeça envolta nos braços a pensar "Como é possivel que isto esteja a acontecer???". Felizmente Portugal não se enervou e Angola desmoronou-se, agredindo jogadores Portugueses com entradas violentas sobre Figo, João V. Pinto e Pauleta. Asha foi expulso aos 12'. Um penalty ainda na primeira parte deu o 1-1 convertido por Figo, originando a expulsão de Wilson. O seu colega de equipa de Belém, Franklim, também "aviou um pastel" e foi tomar banho mais cedo.

Não muito depois, duas boas finalizações de Nuno Gomes fruto de ataque esmagador de Portugal consumavam a total reviravolta no jogo. Mesmo rodeado por apoiantes adversários festejei efusivamente os nossos dois primeiros golos.

Os atletas angolanos recorriam á agressão em campo enquanto nas bancadas qualquer decisão arbitral desfavoravel era tida como consequência do árbitro ser "um branco racista", mesmo que num apito a sinalizar uma entrada por trás a pés juntos. Jorge Andrade, preto português, somou mais um numa recarga colocada ainda na primeira parte, terá sido racismo contra os brancos que envergaram a camisola angolana? Paradoxal...

No intervalo mudamos de sítio para o outro lado da bancada porque as coisas começaram a aquecer. Muitos adeptos angolanos sairam do estádio e iniciaram tumultos no exterior, partindo paragens da Carris e fazendo deslocar uma força policial numerosa. No interior voavam cadeiras.

Na segunda parte jogo morto, Portugal marca o 5-1 por Luis Boa Morte (preto também), estreia-se Hugo Viana, e vai mais um jogador angolano expulso a totalizar 4.

Ao minuto 70, um jogador de Angola finge lesão e por ficarem apenas 7 jogadores disponíveis, o árbitro francês dá por terminado o encontro. A Federação Angolana foi multada a posteriori em 3000 USD pela FIFA por este incidente, em concreto pelo abandonar do campo de modo pouco desportivo.

Ficou estragada o que poderia ter sido uma festa de reconciliação entre Portugal e um PALOP, com muitos imigrantes angolanos a viver em Portugal certamente humilhados pela actuação dos seus compatriotas.

Teve coragem Lito Vidigal que pediu desculpa pelos actos passados dentro das 4 linhas.

Golos:
Portugal:25' Figo de penalty, Nuno Gomes (36 e 62), Jorge Andrade (39) e Boa Morte (48).
Angola: 3' mendonça

Comments

Anonymous said…
sendo um dos presentes tenho certamente de concordar e confirmar tudo o que se encontra escrito aqui.....

mas gostava de realçar a mudança dos tempos....

nessa altura toda esta situação de racismo evidente foi completamente branqueada pelos media....

hoje vivemos na ressaca de um suposto arrastão criado pela comunicação social....

enfim do 8 ao 80....

muito mau!


Sf

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