Memórias da Varanda

Aproximo-me dos 30 e muito que vi da aviação já me faz sentir velho. Voava com frequência em tempos que Boeing é que era e Airbus eram aqueles novos que nunca se viam em lado nenhum. Ainda voei nos tempos em que voar era coisa fina ou para emigrantes. O primeiro voo que fiz terá sido no fim dos anos 80, num 727-100 da TAP de Santa Catarina para Las Palmas. Odiava aquele avião, achava a cauda em "T" horrível. Tenho perfeita memória de subir a escadaria íngreme que descia na cauda e de entrar naquele ambiente barulhento (subíamos por debaixo da APU) e cheio de fumo. Na altura, e até aos anos 90, uns placards pequenitos enfiados no encosto das cadeiras limitrofres eram a diferença entre a zona de fumadores (na traseira) e a de não fumadores. Claro que o o avião fedia a cigarros tivesse alguem a fumar ou não, e o fumo ia bater a todo o lado. Os bancos eram de um tecido avermelhado com furinhos, onde se enfiavam bem os espetos dos tais placards. A bordo muita mordomia dos PNCs, era jogos para crianças dados em quantidade, baralhos de cartas, refeições completas, cadernetas de voo para putos, asas de piloto junior. Nos voos de longo curso ainda era melhor, embora se note mais a diferença para os de médio curso.
Na altura os motores eram quase todos barulhentos turbojet e não os turbofan que equipam os actuais 737 e A320. Os 727 da TAP tinham barulhentos P&W JT8D, semelhantes aos do JT3D 707. Na Madeira toda a gente tem família na Venezuela, Brasil, US, África do Sul ou Jersey (dito Jérce). Quando vinham os familiares era costume ir para a varanda da aerogare vê-los chegar. Na altura não se pagava estacionamento e tempo não faltava. Quando se saia do avião era acenar para a varanda e ver onde estavam aqueles que nos vinham esperar O barulho de um P&W JT3 era ensurdecedor. Era agudo e nem se conseguia ouvir a nossa própria voz. Chegávamos a tapar os ouvidos se o avião estivesse perto da placa com os motores ligados.
Os caravelles com P&W JT8 também não ficavam atrás. A Sterling voou para Santa Catarina com esse modelo, pelos anos oitenta fora. Achava-os feios e só hoje dou o valor que foi o previlégio de ter visto essa aeronave a voar. Sempre que os parentes se iam, lá ia toda a familia ao aeroporto despedir-se e ver a descolagem na varanda. Ainda dava para acenar enquanto passavam a pé na placa a caminho do avião. Não sei sea espera não teria a ver com o acidente de 77, e o querer assegurar que os entes queridos descolavam em segurança.

Achava os 707 bonitos, pena o espigão na cauda. Cheguei a voar de Caracas directo a Porto Santo, para apanhar voo de ligação para Santa Catarina. Lembro-me de fazer um voo desses em 707 e de apanhar uma bela seca enquanto esperávamos por um 737-200 para voltarmos ao "nosso calhau".

No inicio dos anos 80, o meu pai disse-me que a TAP ia ter aviões novos, 737-200. Quando os vi fiquei deslumbrado, achava lindissimos os motores montados por debaixo da asa, nada como aquela "foleirada" dos 727s.

Havia outra Varanda, o restaurante do lado do de cima da estrada que passa a Norte do aeroporto. Era também um sítio bom para se ver aviões, que desapareceu por altura da 2ª fase de ampliação das obras. Na recta do aeroporto, parava muita gente junto a vedação para ver aviões. Eram muitos os que lá ficavam até ver um par de aterragens e descolagens, sem perceber rigorosamente nada daquilo, apenas se deliciando com os pássaros de metal coloridos a cortar os Céus.

Com a nova aerogare, pronta em 2002, nem tudo mudou. Existe uma varanda onde eu vou espreitar os aviões quando vou aos domingos ao café do aeroporto. Não existem as grandes romarias como antigamente mas ainda está lá pessoal a ver. Na recta do aeroporto estão lá parques junto á vedação dos quais se servem os moradores e as empresas de aluguer de viaturas.

E continua a parar lá gente para ver aviões. Muitos em passeio de domingo por aquela banda (e saindo da via rápida) continuam a dar uma espreitadela, seja a que hora do dia for. Sem câmaras fotográficas, e livros de matrículas, de várias idades ficam especados para as elegantes aeronaves. Pela conversa não fazem a minima ideia do que são flaps, como funciona um reactor, se são Airbus ou Boeing, mas deslumbram-se com a beleza pura do voo criado pelo homem. Ficam frases do tipo "levantou depressa", "já meteu as rodas pra dentro", "vai dar a volta" que não deixam de espelhar que não é o conhecimento técnico da aviação que sustenta o apreciar da aviação. Numa das 2ªs feiras em que veio o 777 da Austrian Airlines, fui para Água de Pena tentar filmar a descolagem. O avião atrasou cerca de uma hora, confirmada no site da ANAM. Quando lá cheguei, ele estava a alinha na cabeceira da 03 (leia-se "do lado de Santa Cruz"). Vi vários carros encostarem para ver, alguns deles que teriam visto o "bicho" da via rápida ou da recta do aeroporto. Camiões e tudo.

Vi algo semelhante quando veio o 747-200 da Air Atalanta Icelandic inaugurar a pista em 2000. Estavam milhares de pessoas para ver o grandalhão. Comove-me ver esse entusiasmo, mesmo que não associado a grandes conhecimentos de fundo técnicos sobre aeronaves. Bastava olhar apenas para constatar o espetáculo da Rainha dos Céus.

Comments

Zozobra said…
O meu primeiro voo tb foi na decada de 80 (88 ou 89, n me lembro) e foi logo num voo intercontinental de Lx para Recife, num DC-10 da Varig (q na altura era um aviao decente).

Uma fas poucas coisas que me lembro foi de ter visto o nascer do sol no cockpit, e adorei...

Outra foi que ia a brasileirada toda q jogava no scp nessa altura, e eu pedi um autografo ao Paulinho Cascavel...

Entretanto ja fiz mais meia duzia de viagens de aviao, nada demais :P
Nos anos 80 ainda não "sabia" o que eram aviões.
Mas no final estive quase para andar de planador em França. Era um amigo e perdi a aventura por 15 minutos, ficou combinado para outro dia, mas pensava que ía dar uma volta de avião, quando vi uma caixa de fosforos sem motor, desisti da ideia

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