Santacruzenses em defesa da Pátria na Índia - II

O prelúdio da Independência

Em 1947, após o desmembramento do Império Britânico causado pela Segunda Guerra Mundial, a Índia obtém a independência como nação. Lord Mountbatten, ultimo vice-rei e depois governador britânico da Índia independente, abandonou aquele território em 1948. No inicio do ano de 1948, já tinha ocorrido o assassinato de Ghandi, e era já Jawaharlal Nehru o Primeiro Ministro aquando do libertar de todos os laços de colonialismo. Ou quase, porque permaneciam três territórios pequenos ainda em mãos de impérios estrangeiros, Goa (estado propriamente dito) e Damão e Diu (enclaves no Estado do Gujarat). De notar que os problemas mais prementes da independência foram justamente com o Paquistão. Tanto Ghandi como os britânicos ambicionavam uma Índia Unida, mas Mohammed Ali Jinnah sucedeu a criar um Paquistão, na altura com um território a Ocidente (actual Paquistão com Islamabad como capital) e outro a Oriente (actual Bangladesh, a posteriori independente, em fruto de secessão em 1971). A segregação de hindus para a Índia e muçulmanos para o Paquistão, com a divisão do Punjab, e a proclamação da independência antes de definidas formalmente as fronteiras na zona de Caxemira, provocaram meio milhão de mortos em motins entre civis. Uma Guerra entre os dois Países por causa desse território foi a primeira de três já decorridas.

Já em 1947, a Índia tinha reclamado para si a administração de toda a faixa controlada por Portugal, em harmonia com todo o processo de descolonização. O nosso País, liderado por Oliveira Salazar conhecido pela sua estratégia de posse incondicional de terras que ele nunca viu, terminantemente ignorou os esforços diplomáticos indianos. A Índia tinha obtido a sua cisão do Império Britânico, à custa de “satyagrahi”, os movimentos pacíficos de desobediência civil, idealizados por Ghandi. Este advogou uma política de Paz, de auto-suficiência e de não-alinhamento em interesses internacionais de “realpolitik”. A Índia, sob o comando de Nehru seguiu esta via e não se associou aos EUA, URSS, China ou deu benefícios à NATO, mas sim ao “Movimento Não Alinhado internacional”.

Após anos de maior ênfase em políticas internas para desenvolvimento, a União Indiana decide invadir militarmente Goa, esgotada toda a sua paciência em usar a via diplomática. Uma “guerra fria” decorreu nesses anos, mesmo assim. Gradualmente a hostilidade indiana foi tomando forma, com o isolamento progressivo do pequeno estado. O cortar de linhas de comboio, estradas e voos internos, tornou possível a comunicação com exterior por via marítima. Um navio levava 18 dias de Lisboa a Goa, via Suez, ou 2 meses pelo contorno a Sul do continente africano.

A Invasão armada da União Indiana – Operação “Vijay”

No dia 19 de Dezembro de 1961, Nehru rompe o não ao belicismo e envia forças armadas para o ataque aos três territórios: Goa, Damão e Diu. Estavam a caminho das eleições, e o seu partido esquerdista, estava atrás nas sondagens. Do lado de Portugal, Salazar queria jogar o papel de vítima, numa batalha perdida há muito. Às potências internacionais era-lhes interessante poder apontar o dedo moral a uma Índia não alinhada nas jogadas intercontinentais. Aviões bombardeiros E.E. Camberra arrasam a pista e danificam o DC-4 dos TAIP e o Superconstellation da TAP ali estacionados. Incrivelmente ambos os aviões conseguiram descolar enquanto os indianos permaneciam convencidos de terem interditado o aeroporto e de terem capturado por preempção de fuga as aeronaves. O Superconstellation (CS-TLA, “Vasco da Gama”,) da TAP, comandado por Manuel Correia Reis, copilotos Anselmo Ribeiro e Alcídio Nascimento, navegador P. Reis, mecânicos A. Coragem e H. Dias, radiotelegrafista A. Pereira, comissário Madeira e assistentes Prazeres e Carlota, descolou para Karachi usando apenas os 700 metros de pista disponível. Três horas depois aterrava com um pneu furado e 25 buracos, consequência dos estilhaços provocados pelo bombardeamento da aviação indiana à pista.

O Comandante Solano de Almeida pilotou o último voo efectivo dos TAIP, de Goa também para Karachi, capital do Paquistão na altura, em voo rasante ao solo para evitar a aviação inimiga, transportando as mulheres e crianças familiares dos militares portugueses.

De salientar que o ataque a Dabolim não teve justificação militar visto Portugal não ter ali um único meio aéreo que não fosse civil. A guerra saldou-se com 34 mortos e 57 feridos em combate para Portugal, 30 mortos e 57 feridos para a Índia. Uma infantaria de pouco mais de 3000 efectivos lutou durante dois dias contra uma força 10 vezes maior, e que dispunha de 22 caças e 20 bombardeiros como meios aéreos.

No geral, a recusa do militares em seguir a política de “terra queimada” imposta por Salazar, e lutar até á morte de todo o nosso contingente militar, fez com que se evitasse derramamento de sangue inútil e que a retirada de Portugal fosse para sempre vista como uma tragédia irresponsável e cruel.

A maior parte as potências ocidentais condenou o ataque Indiano, tanto por terem um passado colonialista, como por aproveitamento de minar a política de não-alinhamento de Nehru. O partido deste ganhou de facto as eleições, mas manchou a sua imagem, imaculada até então, de pacifista.

Os Santacruzenses Heróis na defesa da Pátria

O madeirense, presente em todos os cantos do mundo, combateu heroicamente pela defesa de um território pertencente à sua Pátria, havendo uma companhia só de madeirenses em Diu. O senhor João Armando Teixeira Almada, do sítio da Lombada era militar do Exército em Diu, um de quatro santacruzenses nessa companhia composta de ilhéus, e liderada pelo Sargento Pires. Dos outros santacruzenses, dois eram também da Lombada e chamavam-se Alvarinho e Lourenço. O restante, senhor João, era das Eiras Velhas.

Aquando da Invasão de Diu a 18 de Dezembro, lutaram bravamente contra uma força esmagadora com possantes meios terrestres, navais e aéreos. Na sua companhia houve um ferido. Lembra-se da morte do 2TEN Oliveira e Carmo comandante do navio patrulha “Vega”, destruída por aviões DH Vampire indianos, dos quais um foi abatido.

Lancha de fiscalização “Vega” (foto:Armada)

Ao todo morreram 10 portugueses na batalha. Tal como referia Carlos de Azeredo no seu livro “Trabalhos e Dias de um Soldado do Império”, o material militar português era obsoleto e estava em mau estado, de modo que a pistola de João Almada encravou logo ao terceiro disparo.
Em total inferioridade numérica, renderam-se na manhã do segundo dia, contra a loucura suicida que lhes tinha sido imposta desde Portugal. Referiu não ter colaborado em nenhuma actividade quixótica de “terra queimada”, como ordenada de Portugal.
Sem sofrerem represálias de maior pelos indianos, foram enviados por via marítima para Goa, onde foram alojados num campo de concentração, na zona de Pondá, apesar dos prisioneiros de Goa estarem no campo de Alparqueiros junto à cidade de Vasco da Gama No concelho de Pondá existe o magnífico templo hindu Shri Mangueshi, que tivemos a oportunidade de visitar.

A maior desumanidade veio de Lisboa. O nosso governo recusou a condição imposta pela Índia de que todas as evacuações de pessoas fossem feitas por navios ou aviões não-portugueses. Por este capricho, e apesar de a Índia não querer reter ninguém dos 2100 militares portugueses (e centenas de goeses), João Almada permaneceu quatro meses em Pondá antes de rumar a Karachi, num avião francês. Os prisioneiros foram transferidos do campo de Pondá para o Campo de Transição, em Alto Mangor, perto do aeroporto de Dabolim. Após uma marcha de cerca de duas horas a pé, até ao aeroporto, tomaram ali um avião Douglas DC-6 da companhia francesa UAT para Carachi, de 3h15 de duração. Essa companhia conhecia bem a zona, visto ter sido fretada antes pelos TAIP para assegura frequências de voos. Esta é um das aeronaves que andou por Goa.

Douglas DC-6 da UAT (Crédito: John Vandell)

Depois regressou a Lisboa por via marítima num navio cujo nome não se recorda. Portugal enviou para o repatriamento os paquetes Vera Cruz, Moçambique e Pátria das Companhias Colonial e Nacional de Navegação. Muitos dos militares foram tratados como desertores à chegada a Lisboa por não terem resistido até à morte, tendo inclusive o último Governador, o General Vassalo e Silva, sido exilado até 1974.

João Almada partiu de Lisboa de regresso á Madeira também de navio, onde vive actualmente. Dois dos seus companheiros de armas já faleceram e outro está emigrado no estrangeiro.

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