Sacadura Cabral...faz hoje 28 anos..



O Sacadura Cabral era assim há 28 anos e um dia...
Foto tirada em Heathrow


Ás 21h35 do dia 19 Novembro de 1977, o voo TP425 tentava aterrar no Aeroporto de Santa Catarina na Ilha da Madeira. A tripulação, cansada do 5º voo desse dia, tentava uma terceira aterragem na pista 24 num dia de temporal, com muita chuva e consequente fraca visibilidade.

O comandante João Costa sabia que caso não conseguissem aterrar, teriam de divergir para o Porto Santo onde não haveria de modo algum alojamento para os 156 passageiros e 8 tripulantes que vinham de Bruxelas via Lisboa. Consequentemente seria necessário divergir para a Gran Canária a 400km de distância.

A aeronave era um B.727-282ADV, versão 200 com capacidade para 189 passageiros e fabricada para a TAP (dai o código 82) e entregue 2 anos antes. Era um tri-reactor (com motores Pratt&Whitney JT8D), número 1096 da linha de produção. Ostentava o nome do pioneiro da aviação portuguesa, Sacadura Cabral, curiosamente falecido num acidente aéreo no Canal da Mancha.
(foto tirada em Agosto do ano anterior em Palma de Mallorca).

As cores da TAP eram ainda o branco e vermelho, a mudança para verde e vermelho seria para três anos mais tarde. Na altura ainda se lia "Transportes Aéreos Portugueses" ao longo da fuselagem.

O meu pai era funcionário da TAP e como este era o último voo do dia estava na torre de controlo (outros tempos...) a ver a chegada para ir para casa dormir.

Após a aproximação o avião aterra muito para além do normal, faz aquaplaning numa pista muito molhada e sai pela cabeceira da pista fora, que tinha um desnivel de dezenas de metros em relação á estrada. Cai uns metros mais abaixo em cima de uma pequena ponte de pedra, desfaz-se em duas partes, a traseira que fica cortada atrás das asas em cima da ponte e o resto que cai na praia de calhau e irrompe num mar de chamas.

Eu tinha 6 meses e estava com a minha mãe e uma empregada em casa, a 700m do acontecimento. Ouviu-se um estrondo e inicialmente pensou-se num trovão. Saindo á rua verificava-se uma fumaceira no meio do temporal. e ubindo ao terraço a minha mãe conseguiu ver o intenso fogareu que consumia os destroços do avião.

Na altura não havia nada que se parecesse com a via rápida e foi um caos tanto de carros de bombeiros, muitos vindos do Funchal e arredores, e carros de curiosos. A estrada teve de ser interrompida pela policia para só deixar passar a ajuda.

No aeroporto o caos instalou-se, funcionários da TAP e aeroporto nem sabiam o que fazer com o choque. Tinham que ir contar a novidade aos familiares dos passageiros á espera na aerogare.

Uma colega do pai na altura foi a sair da aerogare e aparece um taxi donde salta um belga todo coberto de sangue em estado de choque a rogar para contarem a sua familia que estava bem.

Lembrava-se apenas do choque inicial do avião e tinha voltado a si no meio do calhau com a água do mar a bater-lhe.

De manhã cedo a cauda do avião foi pintada de branco para evitar a má imagem da companhia nos media. Não se julgue isto uma prática totalmente em desuso, ainda há poucos anos um A320 da Air France bateu com o nariz no chão após falha no trem dianteiro e o logotipo na cauda e nome na fuselagem foram tapados.



As urnas funerárias existentes na Ilha da Madeira não chegavam para as "encomendas".

No rescaldo:
Pessoas à bordo: 8 tripulantes e 156 passageiros = 164
Vítimas fatais: 6 tripulantes e 125 passageiros = 131
A TAP deixou de operar o modelo 727 da série 200 para a Madeira, passando apenas a operar o 727-100, 5 metros mais curto e com capacidade para menos 60 passageiros.

Anos e anos consecutivos os pilotos passaram a soltar o travão na descolagem só após os motores estarem ao máximo. Na aterragem spoilers activados e redução de potência logo em cima da pista para aproveitar o comprimento ao máximo, originando um sopapo seguro no touchdown.

Ainda uns anos depois um 727 a descolar na pista 06, não conseguiu velocidade suficiente para subir depois de tirar o trem do chão, e teve de meter o nariz a fundo já fora da pista por cima do mar, e só ganhou força para subir bem abaixo do nível da pista.
A ponte, que já nem na altura era utilizada, ficou destruida e zona foi engolida pela primeira ampliação, finalizada em 1985. Durante muito tempo ainda se encontravam destroços do avião na praia. Aluminio derretido entre as pedras muito tempo ficou, formando "obras de arte". Eis aquilo que ficou em minha posse:
Este bocado servia de tunel para os meus carros quando era puto. Sempre quisa saber donde era, o meu pai achava que era de uma asa.
Apenas no ano pasasado um mecânico da TAP me conseguiu descobir o que era...Era um eixo de um flap, feito em magnésio (aquilo é incrivelmente leve).
O único positivo a tirar deste infortúnio foi o primeiro aumento da pista de Santa Catarina, de 1600 para 1800 metros. Um projecto de engenharia de grande nível da autoria do renomeado engenheiro português Edgar Cardoso (o que saltou em cima da pala de Alvalade).
Este foi o único acidente mortal da TAP em voo de transporte de passageiros.
Dados do B.727-200:
Envergadura: 32,92 metros
Corda (na raiz da asa): 7,70 metros
Comprimento total: 45,76 metros
Comprimento da fuselagem: 41,49 metros
Altura total: 10,36 metros
Comprimento interno da cabine: 28,46 metros
Largura máxima da cabine: 3,55 metros
Altura máxima da cabine: 2,18 metros
Área de piso: 91,05 metros quadrados
Volume da cabine: 188,4 metros cúbicos
Superfície Alar: 157,90 metros quadrados
Desempenho com peso de 78.015 kg:
Velocidade Máxima a 6.585 metros: 1014 km/h
Velocidade de cruzeiro a 5.800 metros: 958 km/h
Velocidade económica a 9.150 metros: 914 km/h
Velocidade de perda sem flaps: 302 km/h
Razão de subida: 793 metros por minuto
Teto de serviço: 10.730 metros
Distância de decolagem: 1.774 metros
Equipagem: 2 pilotos, 1 operador de sistemas e 5 tripulantes de cabine
Capacidade: Até 189 passageiros

Comments

Jingas said…
Conta-se que nos dias imediatos ao acidente, queimaram molhos de alecrim para tentar camuflar o cheiro a carne queimada no local.

É assim, enquanto o menino estava com o rabinho na cama, a chuchar no dedo, olhe o que se passou bem perto da sua casa... ;)
Alguem estava a chuchar no dedo, mas do outro lado da pista...:P
Jingas said…
Eu já era grande!! Tinha 2 aninhos e 1 mês... se te apanhava na altura, não estavas aqui neste momento :P
Mas devias ser uma buzica!bebé chorão!!
Luke said…
Uma das coisas boas do 727-100 (o único 727 que andei e para a madeira) era a porta traseira. Sei lá, curtia entrar por trás.....
Jingas said…
Fora de gozo,excelente post... mt bom mesmo!!
K471 said…
Impressionante!
Fiquei tão fascinada com esse relato, que me lembro de pedir à minha mãe pra contar vezes sem conta.
Eu só nasci uns 7 anos depois.
K471 said…
Já agora, para quando um post sobre o Antonov?

http://paginas.terra.com.br/informatica/faustini/antonov/

;)
DT said…
Quando era puto, até pedia aos meus pais para ir a tua casa só para ver aviões! Adorava!
Depois lá me passou a pancada.
Mas ainda me lembro perfeitamente que adorava o 727 (já com a outra pintura obviamente). Mas a pintura que mais adorava era a da Air Columbus.
E já que falas na inexistência da via rápida, bem me lembro do massacre que era chegar a Santa Cruz!

Qto ao acidente em si, sempre tive curiosidade em ver fotos!

Abraço primo
Antonio Six said…
Bravo!!
Ainda não era o meu dia!
Tinha esse Voo marcado e foi-me retirado para ir fazer outro .
Cruzei-me com os colegas no golfo da Biscaia e depois no Aeroporto de Lisboa.
Não esquecer que dois dos tripulantes de cabine ainda vivem e um ainda Voa
Estavam sentados na porta de trás
A todos recordo com saudade
Supporter1910 said…
Impressionante!
Parabéns pelo relato desta história.
Daniel Duque said…
Recordo que faz este ano 30 anos do acidente e como é importante recordar tal data e mais ainda recordar aqueles que pereceram nessa noite, aqueles que sobreviveram e aqueles heróis que salvaram.

Recordo o Emanuel Freitas, meu irmão de vida que me salvou nesse dia: El Duke's Place

A reportagem da RTP passou em:
aqui!

Obrigado Lello (Emanuel)

Danny El Duke

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